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sábado, 14 de abril de 2018

ESTOICISMO: PARTE 1 - CAPÍTULO 2

Os Primeiros Estóicos

HUMM...


Zenão (333 - 261ac) foi o primeiro estóico. (E por Zenão, estou querendo dizer Zenão de Cítio, que não deve ser confundido com Zenão de Eleia, que é famoso por um paradoxo envolvendo Aquiles e uma tartaruga, ou qualquer outros dos sete outros Zenões mencionados por Diógenes Laércio em suas anotações biográficas.) O pai de Zenão foi um mercador de tíria púrpura e costumava chegar em casa de suas viagens com livros para Zenão ler. Entre eles existiam livros de filosofia comprados em Atenas. Estes livros aguçaram o interesse de Zenão tanto em relação a filosofia quanto a Atenas.


Como resultado de um naufrágio, Zenão se encontrou em Atenas, e enquanto lá, ele decidiu tirar vantagem dos recursos filosóficos que a cidade tinha a oferecer. Ele foi até a loja de um vendedor de livros e perguntou onde homens como Sócrates poderiam ser encontrados.


Naquele momento, Crates o Cínico estava passando pelo local. O vendedor de livros apontou pra ele e disse, “Siga aquele homem.” E assim foi, como nos é contado, que Zenão se tornou pupilo de Crates. Relembrando este momento de sua vida, Zenão comentou, “Eu fiz uma próspera viagem quando sofri um naufrágio.”


Os Cínicos tinham pouco interesse em teoria filosófica. Ao invés disso eles advogavam um estilo de vida bastante extremo.


Eles eram Ascetas. Socialmente falando, eles eram o equivalente antigo do que hoje chamamos de moradores de rua: Eles viviam nas ruas e dormiam no chão. Possuiam apenas as roupas que vestiam, tipicamente uma bata pobre, a qual os antigos se referiam como “Vestimenta Cínica.” Eles tinham uma existência cotidiana e precária.


Quando alguém dizia a Epiteto - que, apesar de ser um Estóico, era familiar com o Cinismo - que estava contemplando se juntar a escola Cínica, Epiteto explicava o que se tornar um Cínico trazia consigo: “Você deve colocar de lado completamente a vontade de conseguir, e aplicar mais vontade para evitar apenas aquilo que existe dentro da esfera da sua vontade: você não pode guardar ressentimentos, fúria, inveja, pena: uma esposa bondosa, um bom nome, ter favoritismos ou bolos doces, não devem significar nada para você.” Um Cínico, ele explicava, “deve ter um espírito de paciência de tal tamanho a ponto de não ter sentimentos como uma pedra.  Ultrajes ou golpes ou insultos não significam nada para ele.” Poucas pessoas, podemos imaginar, tiveram a coragem e determinação para viver a vida de um Cínico.


Os Cínicos eram renomados por sua sabedoria. Quando, por exemplo, alguém perguntava que tipo de mulher um homem deveria buscar para casar, Antístenes respondeu que não importa que mulher ele escolha para sua vida, ele viveria para se arrepender do casamento:


“Se ela for bonita, você não a terá para si; se ela for feia, você pagará caro por isso.” A respeito das nossas relações com outras pessoas, ele comentou que “é melhor ter que lidar com corvos do que com bajuladores; pois no primeiro caso você é devorado após a morte, e no segundo caso enquanto está vivo.” Ele também aconselhou seus ouvintes a “ prestar atenção em seus inimigos, pois eles são os primeiros a descobrir seus erros.” Apesar de, ou talvez por causa de, sua afiada sagacidade, Antístenes era descrito como sendo “o mais agradável dos homens com quem se ter uma conversa.”


Diógenes de Sínope (não confundir com Diógenes Laércio, que escreveu anotações biográficas sobre ele e outros filósofos) foi um estudante de Antístenes e se tornou o mais famoso Cínico. Em defesa da vida simples, Diógenes observou que “os deuses deram ao homem os meios para se viver facilmente, mas isso foi perdido, pois queremos bolos recheados, unguentos e coisas do tipo.” Tal é a loucura do homem, ele dizia, que eles escolhem ser miseráveis quando tem o poder necessário para serem contentes. O problema é que “homens maus obedecem suas luxúrias como servos obedecem a seus mestres,” e por não poder controlar seus desejos, eles nunca poderão encontrar o contentamento.

DIÓGENES DE SINOPE

Os valores humanos, insistia Diógenes, foram corrompidos. Ele apontou também, como exemplo, que uma estátua, que tem a única função de agradar aos olhos, pode custar até 3 mil dracmas, enquanto um quarto de farinha de cevada, que se consumido pode nos manter vivos, pode ser comprado por apenas 2 moedas de cobre. Ele acreditava que a fome era o melhor tempero, e pelo fato dele esperar até que tivesse fome ou sede antes que comesse ou bebesse, “ele costumava se deliciar com um bolo de cevada com um prazer muito maior do que outros o faziam com as comidas mais caras, e aproveitava um gole de água corrente mais do que os outros podiam aproveitar um vinho Tálio.” Quando perguntado a respeito de sua falta de moradia, Diógenes respondia que tinha acesso às maiores casas em todas as cidades - isto é, a seus templos e ginásios. E quando perguntado o que ele havia aprendido com a filosofia, Diógenes respondeu, “Estar preparado para toda sorte.” Esta resposta, como veremos, antecipa um importante tema do Estoicismo.


Os Cínicos não aplicavam seus ensinamentos nos suburbios, como Epicuro e Platão fizeram, mas nas ruas de Atenas, como fez Sócrates. E como Sócrates os Cínicos buscavam instruir não apenas aqueles que se ofereciam como pupilos mas qualquer um, incluindo aqueles que eram relutantes a ser ensinados.


Na verdade o Cínico Crates - quem, como vimos, foi o primeiro professor filosófico do filósofo estoico Zenão - não estava contente em simplesmente abordar as pessoas que encontrava na rua; ele também entrava sem convite nas casas das pessoas para advertir quem lá estivesse. Por este hábito, ele ficou conhecido como “o abridor de portas.”


Após estudar com Crates por um tempo, Zenão decidiu que ele estava mais interessado em teoria que Crates estava. Ele então veio com a ideia de focar não apenas em um estilo de vida filosófico ou uma teoria filosófica, mas combinar estilo de vida com teoria, da forma como Sócrates havia feito. O filósofo Alemão do século dezenove Arthur Schopenhauer resumiu a relação entre Cinismo e Estoicismo observando que os filósofos Estóicos procederam dos Cínicos “por transformar a prática em teoria.”


Assim sendo Zenão partiu ao aprendizado da teoria filosófica. Ele foi estudar com Estilpo, da Escola Megárica. (Crates respondeu fisicamente tentando o arrastar de volta.) Ele também estudou com Polemo na Academia, e por volta de 300 Ac, ele iniciou sua própria escola de filosofia. Em seus ensinamentos, ele parece ter misturado os conselhos sobre estilo de vida de Crates com a filosofia teórica de Polemo. (De acordo com Polemo, Zenão fez pouco mais que dar às doutrinas da Academia “uma maquiagem Fenícia.”) Nesta mistura ele incorporou o interesse da Escola Megárica em lógica e paradóxos.


A escola de filosofia de Zenão obteve sucesso imediato. Seus seguidores foram inicialmente chamados de Zenonianos, mas por causa do hábito que ele tinha em ministrar suas aulas em Stoa Poikile, eles subsequentemente se tornaram conhecidos como os Estóicos - como, assim sendo, aconteceu com os poetas que anteriormente tinham o hábito de se encontrar por lá.


Uma coisa que tornou o Estoicismo atrativo foi seu abandono do Asceticismo Cínico: Os Estóicos favoreciam um estilo de vida que, apesar de simples, permitia alguns confortos. Os Estóicos defenderam este abandono argumentando que se eles evitassem as “coisas boas” como os Cínicos faziam, eles assim demonstraram que as coisas em questão eram realmente boas - eram coisas que, se não os escondessem de si mesmos, poderiam as almejar.


Os Estóicos aproveitavam quaisquer “coisas boas” que por ventura estivessem disponíveis, mas mesmo que o fizessem, eles se preparavam para abrir mão destas coisas em questão. A filosofia de Zenão tinha componentes éticos, físicos e lógicos. Aqueles que estudaram Estoicismo com ele começavam pela lógica, partiam para a física e terminavam em ética.



ARISTÓTELES

Apesar disso os Estóicos não foram os primeiros a estudar lógica - Aristóteles, por exemplo, já tinha feito isso antes deles, assim como os Megáricos - A lógica Estóica demonstrou um grau de sofisticação sem precedentes. O interesse Estoico em lógica era uma consequência natural da crença deles de que o objeto de distinção do homem era sua racionalidade. Lógica é, afinal o estudo do uso apropriado da razão. Os Estóicos se tornaram especialistas em formas de argumentação, como “Se A, então B; mas A, assim sendo B” ou “Ou A ou B; mas não A, assim sendo B.” Estas formas de argumentação que eram chamadas de modus ponens e modus tollendo ponens, respectivamente, ainda são utilizadas por lógicos.


Para entender o interesse dos Estóicos pela lógica, ajuda lembrar que pais mandavam seus filhos para escolas de filosofia não apenas para que pudessem aprender como viver bem mas também para que aumentassem suas habilidades de persuasão. Ao ensinar lógica a seus estudantes, os Estóicos estavam os ajudando a desenvolver estas habilidades: Estudantes que conheciam lógica podiam detectar falácias cometidas por outros e então prevalecer sobre eles em argumentos.


Física foi o segundo componente do Estoicismo de Zenão. Viver, como viviam, em um tempo sem ciência, os estudantes de Zenão sem dúvida apreciavam explicações a respeito do mundo em torno deles. E além de prover explicações sobre fenômenos naturais, como a física moderna faz, a física Estóica estava preocupada com oq ue podemos chamar de Teologia. Zenão, por exemplo, tentou explicar coisas como a existência e a natureza dos deuses, qual o motivo de terem criado o universo e seus habitantes, o papel que os deuses desempenham em determinar o rumo dos eventos, e na relação adequada entre as pessoas e os deuses.


Ética foi o terceiro e mais importante componente do Estoicismo de Zenão. O conceito Estóico de Ética, os leitores irão perceber, difere de nosso conceito moderno. Nós pensamos na Ética como o estudo do certo e errado moral. Um eticista moderno pode ponderar, por exemplo, se o aborto é moralmente permitido, e caso seja, sob quais circunstâncias. A Ética Estóica, em contraste, é o que é chamado de Ética Eudemonista, do Grego “eu” significando “bem” e “demon” significando “espírito.”


Ela não está preocupada com o certo e errado moral, mas em se ter um “bom espírito,” isto é, em viver uma boa e feliz vida ou com o que às vezes é é chamado de conhecimento sabedoria moral. Como coloca o filósofo Lawrence C. Becker, “A Ética Estóica é uma espécie de eudemonismo. Sua preocupação e organização central  é a respeito do que devemos fazer ou ser para viver bem - para florescer.” Nas palavras do historiador Paul Veyne, “Estoicismo não é tanto uma Ética quanto uma receita paradoxal para a felicidade.”

É fácil que leitores modernos interpretem mal o que os Estóicos tinham em mente com “uma boa vida.” Na verdade, muitos leitores vão igualar ter uma boa vida com uma vida fácil - com, isto é, ter um bom emprego com salário alto. os Estóicos, no entanto, pensavam que era completamente possível alguém ter uma vida ruim a despeito de ter uma vida fácil. Suponhamos, por exemplo, que alguém odeie seu bom emprego, ou que este emprego crie conflitos internos para ele, requerendo que faça coisas que sabe ser erradas.


O que, então, uma pessoa precisa fazer para ter o que os Estóicos poderiam chamar de uma “boa vida”? Ser virtuoso! Mas novamente, “virtude” é uma palavra que atrai má interpretação. Diga a um leitor moderno que os Estóicos advogavam que ele viva de maneira virtuosa, e ele então irá revirar os olhos; na verdade, para este leitor, freiras devem ser o principal exemplo de indivíduos virtuosos, e o que as fazem virtuosas são suas castidades, humildade, e bondade. Estariam os Estóicos, então, advogando que vivêssemos como freiras?


De fato, não era bem isso que os Estóicos tinham em mente quando falavam sobre virtude. Para os Estóicos, a virtude de uma pessoa não depende, por exemplo, de seu histórico sexual. Ao invés disso, ela depende em sua excelência como ser humano - sobre quão bem ela performa a função para a qual os seres humanos foram criados. Da mesma maneira que um “virtuoso” (ou excelente) martelo é aquele que serve bem a função para a qual foi designado - nomeadamente, bater pregos - um indivíduo virtuoso é aquele que performa bem a função para a qual os seres humanos foram criados. Ser virtuoso, então, é viver da maneira para a qual fomos criados para viver, como colocou Zenão, de acordo com a natureza. Os Estóicos poderiam incluir que se fizermos isso, teremos uma boa vida.


E para qual função as pessoas foram criadas? Para responder esta pergunta, os Estóicos pensaram, precisamos apenas nos examinar. Fazendo isso, nós iremos descobrir que temos certos instintos, assim como os animais. Nós sentimos fome; esta é a forma da natureza fazer com que nos nutrimos. Nós também sentimos luxúria; esta é a forma da natureza fazer com que haja reprodução. Mas nos diferenciamos dos outros animais em um importante aspecto: Nós temos a habilidade de pensar. Disto podemos concluir, poderia dizer Zenão, que fomos criados para raciocinar.


E se usarmos nosso raciocínio, iremos então concluir que fomos criados para fazer certas coisas, que temos certos deveres. Mais significativamente, desde que a natureza nos fez criaturas sociais, temos deveres para com nossas semelhantes. Nós devemos, por exemplo, honrar nossos pais, sermos agradáveis a nossos amigos, e sermos preocupados com os interesses de nossos compatriotas. Foi este senso de de dever social que levou o Estóico Cato a ser um participante ativo na política Romana, mesmo isto tendo custado sua vida.

Apesar de, como já disse, a preocupação primária dos Estóicos ser com a ética - com viver virtuosamente e assim ter uma boa vida - eles também foram interessados em Lógica e em Física. Ao estudar lógica, eles esperavam poder desempenhar bem uma das funções para as quais fomos criados; nomeadamente, nos comportarmos de maneira racional. E estudando física, eles esperavam ganhar esclarecimento sobre o propósito pelo qual fomos criados. Os Estóicos criaram várias metáforas para explicar a relação entre os três componentes de sua filosofia. Eles afirmaram, por exemplo, que a Filosofia Estóica é como um terreno fértil, com “a Lógica sendo a cerca a sua volta, a Ética sendo a plantação, e a Física o solo.”


Esta metáfora deixa claro o papel central  da ética na filosofia deles: Por qual motivo se preocupar com o solo e construir uma cerca a não ser que uma plantação resulte disto? Se vivermos em perfeita harmonia com a natureza - se, isto é, formos perfeitos em nossa prática do Estoicismo - nós poderíamos ser aquilo a que os Estóicos se referem como um homem experiente ou um sábio. Um Sábio Estóico, de acordo com Diógenes Laércio, é “livre de vaidade; por ser indiferente a boas ou más opiniões.” Ele nunca sente luto, pois ele percebe que luto é “uma contração irracional da alma.” Sua conduta é exemplar. Ele nunca deixa nada o parar em realizar seus deveres. Apesar dele beber vinho, ele não o faz para ficar bêbado. O Sábio Estóico é, resumidamente, “divino.”


Tal divindade, os estóicos seriam os primeiros a admitir, é excessivamente rara. Para os Estóicos, entretanto, a quase impossibilidade de se tornar um sábio não era um problema. Eles falavam sobre os sábios primariamente para ter um modelo para os guiar na prática do Estoicismo. O sábio é um alvo para que eles pudessem mirar, mesmo que provavelmente fossem falhar em atingir. O sábio, em outras palavras, é para o Estoicismo como Buda é para o Budismo. Muitos Budistas nunca terão esperanças em se tornar tão iluminados quanto Buda, mas mesmo assim, refletir sobre a perfeição de Buda pode ajudá-los a obter certo grau de iluminação.


Cleantes de Assos (331 - 232 Ac.) foi um pupilo da escola Estóica de Zenão, e quando Zenão morreu, herdou a liderança da escola. Quando Cleantes ficou velho, no entanto, começou a perder estudantes para outras escolas, e o futuro do Estoicismo parecia sombrio.


Quando ele morreu, a liderança da escola Estóica foi passada para seu pupilo Crísipo (282 - 206 Ac), sob qual liderança a escola retomou sua antiga proeminência.

Após a morte de Crísipo, a escola Estóica continuou a prosperar sob a sucessão de líderes, incluindo Panécio de Rodes, que é lembrado nos anais do Estoicismo não como um inovador, mas como um exportador da filosofia. Quando Panécio viajou para Roma por volta de 140 Ac, levou o estoicismo consigo. Ele fez amizade com Cipião Africano e outros cavalheiros Romanos, os tornou interessados em filosofia, e então se tornou o fundador do Estoicismo Romano.


Após importar o estoicismo, os Romanos adaptaram a doutrina para suprir suas necessidades. Um detalhe foi mostrarem menos interesse em lógica e física do que os Gregos tiveram. Na verdade, no tempo de Marco Aurélio, o último dos grandes Estóicos Romanos, a lógica e a física foram essencialmente abandonadas: Em Meditações (livro) encontramos Marco se parabenizando por não ter perdido seu tempo estudando tais coisas.


Os Romanos também fizeram sutis mudanças no programa ético do Estoicismo Grego. Como vimos, o objetivo ético primário dos Estóicos Gregos era a realização da virtude. Os Estóicos Romanos mantiveram este objetivo, mas os encontramos repetidamente avançando em direção um segundo objetivo: a realização da tranquilidade. E por tranquilidade eles não tinham em mente um estado de zumbificação. (Advogar este tipo de tranquilidade, afinal de contas, seria a rejeição da racionalidade que os Estóicos consideravam essencial para uma vida virtuosa.) Ao invés disso, a Tranquilidade Estóica era um estado psicológico marcado pela ausência de emoções negativas, como luto, raiva, e ansiedade, e a presença de emoções positivas como alegria.


Para os Estóicos Romanos, os objetivos de realizar a tranquilidade e realizar a virtude estavam conectados, e por esta razão, quando eles discutiam a virtude, também discutiam a tranquilidade. Em particular, eles costumavam apontar que um benefício de atingir a virtude é que então experienciaríamos a tranquilidade. Portanto, mais cedo em Discursos (livro), Epiteto nos aconselha a perseguir a virtude mas imediatamente nos lembra que esta virtude “mantém a promessa… de criar felicidade, calma e serenidade” e que “o progresso em direção a virtude é o progresso em direção a cada um destes estados mentais.” Na verdade, ele chega ao ponto de identificar a serenidade como o resultado ao qual a virtude procura.


CRÍSIPO DE SOLIS

Por causa dos Estóicos Romanos terem gasto muito tempo discutindo a tranquilidade (como subproduto de uma vida virtuosa), eles criaram a impressão de estarem desinteressados em virtude. Considere, por exemplo, o Manual de Epiteto, também conhecido como Manual de Enquiridon. Arriano (um dos estudantes de Epiteto) compilou este trabalho com o objetivo de prover espectadores Romanos no segundo século com uma introdução fácil e acessível ao Estoicismo. Apesar do Manual ser repleto de conselhos a respeito do que, de acordo com Epiteto, devemos fazer se se quisermos manter a tranquilidade, Arriano não viu necessidade de mencionar a virtude.


Um último comentário é necessário sobre a conexão para os Estóicos Romanos entre o objetivo de atingir a virtude e o objetivo de atingir a tranquilidade. Além de afirmar que a busca pela virtude nos trará tranquilidade, penso que os Estóicos Romanos poderiam argumentar que a realização da tranquilidade nos ajudaria a buscar a virtude. Alguém que não é tranquilo - alguém, isto é, que é distraído por emoções negativas como raiva e luto = pode achar difícil fazer o que a razão lhe diz para fazer: Suas emoções irão triunfar sobre seu intelecto. Esta pessoa poderá então se tornar confusa sobre quais coisas são realmente boas, consequentemente falhando em buscá-las, e pode, como resultado, falhar em atingir a virtude. \então, para os Estóicos Romanos, a perseguição da virtude e a perseguição da tranquilidade  são componentes de um círculo virtuoso - em realidade, um círculo virtuoso duplo: A busca pela virtude resulta em certo grau de tranquilidade, o que por sua vez torna mais fácil para que busquemos a virtude.


Por qual motivo os Estóicos Romanos deram para a busca da tranquilidade uma maior importância que seus predecessores Gregos? Parte da resposta para esta questão, imagino, é que os Estóicos Romanos tinham menos confiança que os Gregos no poder da razão pura para motivar as pessoas. Os Estóicos Gregos pensavam que a melhor maneira de fazer com que as pessoas buscassem a virtude era fazê-las entender quais coisas eram boas: Se uma pessoa entendesse quais eram as coisas boas, ela, sendo racional, poderia necessariamente persegui-las e então se tornar virtuosa. Os Estóicos Gregos assim sendo viram pouca necessidade de mencionar os subprodutos benéficos da busca pela virtude, incluindo, mais significativamente, a obtenção da tranquilidade.


Os Estóicos Romanos, em contraste, aparentemente pensaram que não seria óbvio a seus camaradas Romanos os motivos pelos quais deveriam buscar a virtude. Eles também reconheceram que Romanos comuns poderiam instintivamente dar valor a tranquilidade e consequentemente ser receptivos a estratégias para alcançá-la. Os Estóicos Romanos então parecem ter concluído que confeitando a virtude com tranquilidade - mais precisamente, apontando para a tranquilidade que as pessoas poderiam obter buscando a virtude - eles poderiam fazer as doutrinas Estóicas mais atrativas aos Romanos comuns.


Além disso, professores Estóicos como Musônio Rufo e Epiteto tinham outra razão para enaltecer a tranquilidade: Fazendo isso, eles fizeram sua escola mais atrativa a potenciais estudantes. No mundo antigo, devemos nos lembrar, as escolas de filosofia estavam em competição direta com outras. Se uma escola ensinava uma filosofia que as pessoas achavam atrativa, ela ganhava uma “fatia do mercado,” mas se uma escola perdesse o valor com seus estudantes em potencial, ela poderia cair no esquecimento - que, como vimos, quase aconteceu com a escola Estóica sob Cleantes.


Para ganhar e manter alunos, as escolas estavam dispostas a ser flexíveis nas doutrinas filosóficas que ensinavam. Foi sugerido, por exemplo, que no meio do terceiro século Ac, a Academia e as escolas Estóicas de filosofia, por estarem perdendo estudantes para a escola rival Epicurista, decidiram se unir em uma aliança filosófica e modificar suas doutrinas de acordo, com o propósito comum de atrair estudantes dos Epicuristas. Em linhas similares, é concebível que os Estóicos Romanos, ao acentuar a tranquilidade em sua filosofia, poderiam estar tentando atrair estudantes dos Epicuristas, que também ofereciam o prospecto da tranquilidade a seus estudantes.


Se parece plausível que os antigos filósofos poderiam flexibilizar suas doutrinas filosóficas em uma tentativa de atrair estudantes, nós devemos lembrar que foi precisamente assim que muitas escolas antigas de filosofia se iniciaram. Por exemplo, quando Potamo de Alexandria decidiu iniciar uma escola de filosofia, ele teve uma visão de gênio do marketing: Ele decidiu que a melhor forma de atrair estudantes era pinçar o melhor das doutrinas filosóficas das escolas competidoras. Os que se juntaram a sua então chamada escola Eclética podiam, ele argumentava, absorver o melhor do que cada uma das escolas concorrentes poderiam oferecer. Mais direto ao ponto, devemos lembrar que o próprio Zenão, para inventar o Estoicismo Grego, flexibilizou e misturou as doutrinas de (pelo menos) três diferentes escolas filosóficas: os Cínicos, os Megáricos e a Academia.


Ao enaltecer a tranquilidade em sua filosofia, os Estóicos não apenas a fizeram mais atrativa aos antigos Romanos como a fizeram, acredito, mais atrativa a indivíduos modernos também. É unusual, afinal de contas, indivíduos modernos terem interesse em se tornarem mais virtuosos, no sentido antigo da palavra. (Nós provavelmente podemos nos interessar em nos tornarmos mais virtuosos, mas para a verdade brutal contida no assunto a maioria de nós não está.) Então, conte a alguém que você possui e está disposto a dividir com esta pessoa uma antiga estratégia de alcançar a virtude, e então você provavelmente dará de frente com um bocejo. Conte e esta pessoa que você possui e está disposto a dividir com ela uma antiga estratégia para obter atingir a tranquilidade, e então, seus ouvidos irão se abrir; nos casos mais comuns as pessoas não precisam ser convencidas do valor da tranquilidade. Na verdade, se perguntadas, elas irão começar a falar sobre como suas vidas estão sendo atacadas por emoções negativas que lhes tiram a tranquilidade.


É por esta razão que nos textos a seguir, irei focar minha atenção nos Estóicos Romanos mais que nos Gregos, e é por esta razão que o objetivo primário de meus exames sobre os Estóicos Romanos não são seus conselhos sobre como obter a virtude mas sim seus conselhos sobre como obter e manter a tranquilidade. Dito isto, devo acrescentar que leitores que seguem o conselhos dos Estóicos Romanos sobre atingir a tranquilidade poderão assim atingir a virtude também. Se isso acontecer, tanto melhor!




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*Este texto se trata de uma tradução.


De seu lorde, senhor e majestade imperial. Tirano

2 comentários:

  1. Ótima postagem, que aula sobre estoicismo !!! texto grande mas vale a pena a leitura !

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    1. Sim, é um texto longo mas a linguagem é bem simples e realmente é legal de ler e conhecer esta filosofia! Continue acompanhando!
      Abraço Stifler!

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